A revista do Expresso

Autor:
João Pacheco

POR JOÃO PACHECO

ILHA DE SÃO MIGUEL
Grandes retratos ilhéus

Aqui, a família posa à entrada de casa. Os pais e os filhos estão vestidos com aquelas que deveriam ser as melhores roupas. A única filha tem uma boneca ao colo. Um dos rapazes posa ao lado do cão ilhéu, que mostra ar de poucos amigos. A casa é rural e pobre, as caras das pessoas e da boneca transbordam de otimismo. O cão é o único desvio de perfil e parece fazer aqui parte de um retrato a dois, destacado do grupo. Noutra fotografia, duas meninas de mão dada estão paradas num caminho de terra batida. Parecem ser gêmeas e olham dalí para a câmara, como se estivessem mesmo no centro do mundo. O fotógrafo não lhes conseguiu arrancar um sorriso, mas fez uma imagem que parece sair da obra do grande fotógrafo alemão August Sander. Atrás, a paisagem da ilha de São Miguel é neste caso a preto e branco, embora adivinhemos vários tons de verde por ali acima, até a um edifício que poderia tomar ar de chuva a qualquer momento. O autor destas fotografias deixou um espólio com mais de 150 mil negativos, chamava-se Laudalino da Ponte Pacheco (1921-1998) e trabalhou durante 51 anos na Fábrica de Tabaco da Maia, na ilha de São Miguel. Começou a fazer fotografias tipo passe com uma máquina chegada do Canadá em 1954, enviada por um irmão emigrado. Os rolos seguiam de camioneta da aldeia da Maia para Ponta Delgada, para serem revelados na Foto Nóbrega. O negócio de retratos foi crescendo e manteve-se paralelo ao trabalho a tempo inteiro na fábrica de tabaco. E uma seleção de 150 imagens deste enorme espólio foi publicada pela editora Açoriana no Outono passado, no livro “Laudalino da Ponte Pacheco — 1963-1975”. O próprio livro é um objeto raro, na forma cuidada como dá palco às imagens deste fotógrafo rural açoriano. Mas muito mais do que as páginas deste livro são os grandes retratos ilhéus que parecem saltar de cada página. Cada um é mais enigmático do que o outro, lembrando o britânico estranho cru da fotógrafa americana Diane Arbus. São imagens comoventes de morte e de amor, de partos e de emigração, de devoção e de matanças do porco, de pobreza e de mistério. Grandes. Enormes. Belas.